Apresentou em julho passado, ao Conselho Económico e Social da ONU, o primeiro relatório voluntário do Governo angolano sobre os objectivos de desenvolvimento sustentável, uma iniciativa bem recebida pela comunidade internacional, que está atenta aos esforços que o País tem feito para melhorar as condições de vida da população e reforçar os pilares do Estado democrático de Direito. Em entrevista, Carolina Cerqueira revela as prioridades do Executivo liderado por João Lourenço no domínio social, com destaque para a saúde, educação, emprego, protecção social, justiça e crescimento económico, entre outras, e dá conta do trabalho que tem sido feito, assumindo o muito que há por fazer, num País onde o combate à pobreza e a aposta na qualificação das pessoas estão na ordem do dia.
Apresentou recentemente o primeiro relatório nacional voluntário sobre objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS) no Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Quais são os grandes desafios que resultam da análise das suas principais conclusões?
Elegemos como áreas prioritárias, no domínio social, o desenvolvimento humano, a assistência e protecção social, a educação, a saúde, o emprego, a igualdade de género, a justiça e direitos humanos, o crescimento económico, a formação profissional e a diversificação da economia, num contexto de reforço do Estado democrático de Direito, desafios que consideramos prioritários para a execução do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2017-2022) e que continuam actuais, tendo como meta o desenvolvimento durável, a justiça e a paz social.
As conclusões levam o Executivo a alterar prioridades no que diz respeito às áreas sociais, ou a reforçar algumas?
Angola é um dos países com a mais elevada taxa de fertilidade do continente africano, tendo ascendido a 5,6% no último quinquénio, possuindo actualmente uma população que ultrapassa a 32 milhões de habitantes e nascendo cerca de um milhão de crianças por ano. Trata-se de um grande desafio que requer o reforço das políticas públicas, sobretudo a nível da área social.
Efectivamente, a crise de saúde mundial causada pela pandemia de Covid-19, aliada à queda do preço do petróleo, obrigou-nos a tomar medidas excepcionais para mitigar os seus efeitos nas comunidades, famílias e empresas.
Consideramos igualmente que, na situação actual, em que a seca no Sul e Sudeste do País afecta directa e negativamente a estrutura social e a estabilidade de milhões de famílias, o Executivo angolano tem vindo a reforçar algumas das políticas sociais para mitigar o estado de pobreza ainda visível das populações, garantir o emprego, sobretudo aos jovens, o realojamento de populações e a ampliação da rede habitacional em todo o País através dos projectos financiados pelo Estado, as conhecidas centralidades, que permitem o acesso a habitação condigna a milhares de pessoas, sobretudo funcionários públicos e jovens nas principais províncias, como Luanda, Bengo, Benguela, Huíla, Namibe Cuanza Sul, Uíge, Bié Huambo e Lunda Norte.
Por outro lado, continuamos a prestar apoio às iniciativas de construção dirigida em algumas províncias, ao mesmo tempo que prossegue o realojamento de famílias afectadas pelas catástrofes naturais nas conhecidas casas sociais, gratuitamente distribuídas pelo Estado, sendo o mais recente o projecto Mayé Mayé, nos arredores de Luanda, para realojamento de 3.000 famílias.
Estão também em curso programas de âmbito nacional para o combate à pobreza multidimensional, mitigação dos efeitos da seca e erradicação do analfabetismo através de programas estruturados de inclusão e de integração social das comunidades tradicionais e as mais desprotegidas, nas áreas rurais e zonas de maior risco. Os planos do Governo consideram como alvo principal fazer chegar a saúde a todos os cantos de Angola, o saneamento público, canalização de água potável, construção de habitação social, acções que vão promover a erradicação da fome e pobreza, ao mesmo tempo que continuaremos a priorizar as áreas como a educação, igualdade de género, protecção social, justiça, direitos humanos e meio ambiente.
E quais os aspectos que, pela positiva, entende serem mais relevantes no documento?
A expectativa de vida em Angola cresceu 19 anos, entre 2000 e 2019, passando de 42 anos, para 61. Por outro lado, o índice de Desenvolvimento Humano subiu de 0,400 para 0,581 pontos, no mesmo período.
Os avanços substanciais conseguidos, particularmente nos domínios da saúde e da educação, assim como o aumento dos beneficiários da protecção social e avanços igualmente na representatividade das mulheres em todos os niveis da sociedade e da política, são referências importantes que foram ressaltadas no documento com dados estatísticos elucidativos. Outro sinal importante é a cobertura da protecção social a um número crescente de cidadãos, destacando o peso dos trabalhadores informais.
De uma forma geral, o documento mostra como as políticas e programas do Governo de Angola colocam a prioridade nas populações mais pobres, nas mais vulneráveis e nas que estão mais atrás, através de valências suportadas por investimentos realizados nas áreas sociais, por via de programas e políticas assertivas e dotações orçamentais.
Que ‘feedback’ teve dos parceiros do ECOSOC?
De uma forma geral, foi positiva a apreciação dos membros do ECOSOC e do sistema das Nações Unidas, que saudaram o facto de esta ter sido a primeira vez que Angola apresentou o seu relatório sobre o estado de aplicação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Recebemos sinais positivos sobre a nossa apresentação pelos dados partilhados, assim como das referências que ilustrámos sobre as perspectivas da actuação no futuro no domínio da aplicação dos ODS.
O documento refere uma taxa de pobreza elevada, na ordem dos 54%, agravada pelo contexto de pandemia, mas há o compromisso de redução para metade até 2030. Quais as linhas gerais da estratégia?
O Governo quer baixar a pobreza multidimensional para 27%, metade do nível actual, e contrariar as situações de fome e outras vulnerabilidades que o País ainda enfrenta, nomeadamente promovendo as condições básicas de saúde, educação, acesso à energia, água e saneamento básico e reduzindo as desigualdades sociais de género, tendo em conta os efeitos das alterações climáticas e os riscos de desastres naturais de forma sustentada.
Para alterar o actual quadro do índice de pobreza, o Governo de Angola está a implementar programas e políticas inclusivas no âmbito do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (PIDLCP), que permitiu a integração de mais de 60 mil pessoas em actividades geradoras de renda, do Programas de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações (PRODESI), que permitiu, até à data, financiar mais de 788 projectos produtivos.
Tem grande impacto, no domínio da inclusão social, o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), que permitiu, por exemplo, a construção de 811 escolas em todo o País, além de expandir a rede hospitalar, redes rodoviárias, canalização de água e electricidade nos 164 municípios, incluindo os das zonas mais recônditas.
Tem havido importantes esforços do Executivo, redobrados, entretanto, devido à pandemia, para alargar a protecção social dos angolanos mais vulneráveis, nomeadamente por via de programas de transferências monetárias, como o "Kwenda”. Qual é o ponto da situação deste projecto e quais os próximos passos?
O "Kwenda” tem como objectivo principal reforçar a capacidade do sector de protecção social para implementar medidas de mitigação da pobreza de curto e médio prazos, de forma a aumentar a capacidade aquisitiva e financeira das famílias através de um apoio em renda para os mais pobres e, por outro lado, ajudar a estabelecer um sistema nacional de protecção social robusto e eficaz.
O "Kwenda”, financiado pelo Banco Mundial, em parceria com o Governo angolano, tem um período de execução de 2019 a 2023, prevendo-se apoiar um total de 1.608.000 agregados familiares em situação de pobreza e vulnerabilidade.
Até ao momento, foi cadastrado um total de 414.285 agregados familiares, em 26 municípios das 18 províncias, distribuídos em 101 comunas e 3.681 aldeias e bairros.
Os próximos passos prevêem a colocação de 1.183 agentes de desenvolvimento comunitários e sanitários em todo o País e a formação de cerca de 200 técnicos locais, mas há mais desafios…
Pode exemplificar?
Por exemplo, o reforço da inclusão produtiva das famílias visadas através do financiamento e acções económicas e produtivas para a sua inserção em actividades geradoras de rendimentos, a municipalização da acção social materializada pelos Centros da Acção Social Integrada, que está em curso, para aproximar e a ampliar os serviços da acção social ao nível local, ou o reforço do cadastro social único, nos próximos anos.
Convém ressaltar que, através dos pagamentos via Multicaixa, e com acesso às novas tecnologias, a modernização tem vindo a ser uma realidade nas áreas rurais, além de se garantir transparência e eficácia, assim como a confiança das populações ao programa, que tem vindo a contribuir substancialmente para a melhoria da qualidade de vida das famílias contempladas.
*Parte I
Fonte: https://revistapremio.pt/pandemia-gerou-uma-grande-onda-solidaria-dos-parceiros-do-estado/